LENDAS E HISTÓRIAS MONTENEGRINAS

Por Talia Teresinha Frank, registrado na obra "Montenegro de Ontem e de Hoje"

Nossa História e nossas estórias, ambas fontes de trabalho e de poesia. Estas, guardando na imaginação popular, o aspecto absurdo, estranho ou heroico dos acontecimentos; aquela, relatando, nos painéis do tempo, um quadro de forças, voltadas para o progresso. Eis o que transparece nas lendas e histórias que se contam, em nosso município.
A imaginação do povo – rica em detalhes e cores – não só – guardou acontecimentos passados, mas  ainda se encarregou de enriquecê-los, ampliá-los ou mesmo de modificar-lhes a significação. É, dessa forma, que se ressaltam nossa cultura e nossa tradição. 

Foi junto dos Montenegrinos – fonte autêntica – que colhemos estórias que seguem. Fizemos, com os 120 alunos das 5ªs séries do Primeiro Grau, do Colégio Normal São José a pesquisa de campo, para a obtenção de dados e o relato das estórias. 
A tarefa foi desenvolvida como atividade de Português, visando à busca de material para este trabalho e, valorizando o que é nosso, proporcionar a esses jovens alunos a oportunidade de participarem na elaboração da obra “Montenegro de Ontem e de Hoje”.
Do material colhido pelos alunos e por nós pessoalmente (entrevistas, informações, relatos, muitas estórias...), retiramos os fatos e organizamos a pesquisa. Em muitas passagens, procuramos manter o caráter da linguagem falada, limitando-nos, assim, a reproduzir o que ouvimos, para que fosse mantido o aspecto de tradição oral, próprio desse tipo de relato. Outras estórias já nos chegaram escritas, o que explica sua construção frasal nos moldes da linguagem escrita. De uma maneira ou de outra, procuramos organizar os fatos e reproduzir as estórias de modo ordenado e simples.
A respeito do assunto, a única referência escrita que conseguimos localizar foi uma alusão à crença do povo no lobisomem, assunto de uma das estórias que ouvimos, encontrada no artigo “MONTENEGRO DE OUTRO TEMPO” – Patrulha, Correias e ... Lobisomem”, assinado por Sileno e publicado em “O Progresso”, de 08 de novembro de 1958. Vejamos  a constatação do caso que segue: 

“MONTENEGRO DE OUTRO TEMPO – Patrulha, Correias e... lobisomem. 

Há mais de quatro décadas, quando Montenegro já gozava dos foros de cidade, o policiamento urbano era exercido pela Guarda Municipal, que, vale salientar, prestou assinalados serviços à coletividade. 
Cada soldado portava um trabuco e enorme espada, cujo tamanho lhe embaraçava os movimentos. Além disso, o tinido dessas durindanas era ouvido de longe, denunciando a aproximação da patrulha. De modo que os malandros que tinham contas a acertar com a polícia, quando ouviam tal tinido, punham-se em fuga. As vezes, a patrulha andava a cavalo, percorrendo as ruas da cidade e arredores. Outras vezes davam serviço a pé.
Ao tempo a cidade não tinha vida noturna. O cinema funcionava aos sábados e domingos somente. De vez em quando algum circo de cavalinhos ou grupos dramáticos visitavam a cidade, funcionando então em dias de semana. O passatempo principal da população, nas longas noites de inverno, era o jogo da víspora, a 200 réis o cartão, havendo jogadores mais afoitos que arriscavam 500 mil réis de cada vez. À meia-noite era servido aos apostadores e “peru” (assim chamados os que não tinham dinheiro para jogar), café com pão e manteiga.
Os elementos da patrulha, depois de visitarem os seus setores, iam descansar nas casas de víspora, onde arriscavam também alguns níqueis e filavam o café...
Entretanto, a monotonia do serviço de policiamento era às vezes interrompida, altas horas da noite, por tiroteios, obrigando os agentes da segurança pública a estafantes corridas para  averiguarem o que havia e prenderem os perturbadores da ordem. Mas, quando chegavam ao local, não encontravam nem o rastro dos malandros. Horas depois, novo tiroteio se fazia ouvir em outra zona da cidade, obrigando os guardas municipais a acudir imediatamente. Nada porém encontravam de anormal: apenas o silêncio... É que diversos rapazes, mesmo da melhor sociedade, divertiam-se em trotear os coitados dos mantenedores da ordem. Assim é que um grupo desses irresponsáveis dirigia-se para as proximidades da estação ferroviária enquanto outro tomava o rumo do cais do porto. E assim se revesavam no tiroteio: quando a polícia corria para  uma zona, irrompia outro tiroteio em outra zona... No entanto se um dia fossem pilhados esses gaiatos, ficariam com a pele marcada, a pranchadas... Mas continuaram a massacrar os pobres agentes da lei, sem que nada lhes acontecesse... 
- A horas avançadas de uma quente noite de verão, um nosso conterrâneo, sentado na sacada de sua residência, teve a atenção despertada por estranha correria e lobrigou dois vultos que corriam desabaladamente pelo meio da rua mal iluminada: era um cabo e um soldado da guerra municipal. Interpelados sobre o motivo da correria, os dois agentes sem interromperem a corrida, disseram que estavam sendo perseguidos por um lobisomem... Olhando na direção de onde procediam os patrulheiros, o nosso conterrâneo, notou temível canzarrão portador de disforme cabeça, que, trotando pelo meio da rua, soltava horripilantes urros.
Diante da diabólica aparição, o nosso informante sentiu o cabelo arrepiar-se-lhe. Ato contínuo, trancou as portas e recolheu-se à casa... 
Se o episódio carece de veracidade, nenhuma culpa cabe-nos, pois limitamo-nos a narrar o que ouvimos. Mas o fato é que a polícia com trabucos, espadagões e tudo, correu do lobisomem... SILENO”

Desse modo, a matéria-prima de que nos utilizamos para o presente trabalho foram os resultados das entrevistas transcritas, em sua maioria pelos alunos. 
Cumpre, ainda, atentarmos para certas características constantes em nossas histórias. Assim, vejamos: a) O sentimento de religiosidade de nosso povo, expresso na referência a cruz, capela, jesuítas; b) A conscientização da importância de nossa História, ao falarem de primeiros povoadores, índios do local; c) A valorização dos elementos do meio natural, tais como rios, morros; d) A tentativa de explicar fenômenos que a mente não aceita como naturais, assim como bolas de fogo, assombrações; e) A referência insistente a tesouros ocultos, revelando certa ingenuidade romântica associada à  realidade das antigas missões jesuíticas do país; f) O amor à terra, manifesto no gigante que enfeita a paisagem e no cavalo guardião; g) A importância do tipo de vida e de gente que se formaram aqui, com características e costumes próprios, lembrados na alusão à fazendas, gado...
Esperamos que este trabalho, ao ter recordado um pouco de nossa História, tenha fixado, no presente, marcas inapagáveis de nossas tradições e de valores, contados singelamente nestes relatos. E como nós, o povo somos os autores dessas lendas não há de espantar a ninguém o fato de as ter ouvido com detalhes diferentes, nem se há de surpreender ninguém, se no futuro sofrerem algumas modificações, porque o povo é fonte viva de inspiração e Arte:










OUTRAS NARRATIVAS

As narrativas que seguem – menos ricas em minúcias – constituem o relato de episódios  dignos de aqui serem, também, registrados, pois que, se não formam exatamente histórias, são pelo menos portadores de elementos caracterizadores:











Nenhum comentário:

Postar um comentário

Insira seu comentário

Total de visualizações