Dica de Leitura: Claraboia



Primavera de 1952. Um prédio de seis apartamentos numa rua modesta de Lisboa é o cenário principal das histórias
simultâneas que compõem este romance da juventude de José Saramago. Os dramas cotidianos dos moradores — donas
de casa, funcionários remediados, trabalhadores manuais — tecem uma trama multifacetada, repleta de elementos do
consagrado estilo da maturidade do escritor, em especial a maestria dos diálogos e o poder de observação psicológica.
As janelas, paredes e corredores do velho edifício lisboeta são testemunhas privilegiadas das pequenas tragédias e comédias representadas pelos personagens.
As peripécias de Lídia, uma bela mulher sustentada pelo amante misterioso, e Abel, um jovem outsider à procura de um
sentido para a vida, se contrapõem ao árduo cotidiano dos outros moradores. As narrativas paralelas do livro são organizadas segundo as divisões internas do prédio, do térreo ao segundo andar.
No início da década de 1950, José Saramago já não era um nome totalmente desconhecido na cena literária portuguesa.
Aos trinta anos, o futuro vencedor do prêmio Nobel publicara um romance — Terra do pecado (1947) —, e alguns de
seus contos haviam saído em jornais e revistas de Lisboa, às vezes assinados com o pseudônimo “Honorato”. Saramago,
ex-serralheiro mecânico e então um modesto funcionário da previdência social, também possuía diversos poemas e peças
de teatro entre seus inéditos. Até 1953, o escritor iniciaria a redação de mais quatro romances, que ficaram inacabados.
Em 5 de janeiro daquele ano “Honorato” finalizava o datiloscrito de um livro de mais de trezentas páginas. O novo
romance, em seguida encaminhado para publicação a uma editora lisboeta por intermédio de um amigo jornalista, acabaria esquecido no fundo de uma gaveta. O original nunca foi devolvido ao seu autor, que também não recebera resposta alguma.
Na década de 1980, o já consagrado José Saramago era contactado pela mesma editora para publicar Claraboia. A
mágoa pela falta de resposta na juventude levou-o a declarar que não desejaria ver o romance editado em vida, deixando para seus herdeiros a decisão sobre o que fazer com o livro. Após seu desaparecimento, as inquestionáveis qualidades do romance, construído com perfeito domínio do espaço narrativo, justificam plenamente a opção de trazê-lo a público.

Fonte: Saraiva

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