Dica de Leitura: A ponta do silêncio



Se é sempre ótima a notícia da chegada de um novo livro, mais ainda quando se trata de um novo livro de Valesca de Assis. Há muito que Valesca já disse a que veio e imprimiu, definitivamente, sua marca na literatura brasileira. Com um estilo maduro e fortemente individuado, a autora vem do conforto e o faz com grande habilidade. A trama está situada no passado, mas poderia ser no presente. Acontece na pequena cidade de Cruzeiro, mas poderia acontecer aqui, ali, em qualquer grande metrópole do mundo. E as pessoas, ah!, as pessoas são nossos conhecidos e desconhecidos no seu dia a dia, esse dia a dia em que simplesmente tomam posições – Sei lá, nem ouvi falar direito sobre isso... mas acho que é culpada. – independentemente dos diferentes desfechos. Quantos Rudys andam por aí? Quantas Margas amordaçadas, vivendo ‘‘para dentro’’ até a explosão nos cercam? É o que há de mais apaixonante na literatura. Transformar vida em arte, colocar à nossa frente personagens e dramas com que nos deparamos cotidianamente e que, se para a maioria de nós passam despercebidos, são captados com sensibilidade pela lente da escritora. O que ela desvenda nas inquietações expostas é a expressão da realidade humana nos seus aspectos mais profundos, é a vida de pessoas que permanecem estranhas umas às outras e, sobretudo, protegidas de si e do outro, até que. A narrativa é simples e densa e forte, atravessada por estratégias como as cartas a Leonel. É o tempo de uma vida e de uma confissão. E ela se constrói na medida em que é tecida na busca mesmo ‘‘de sentido no bordado e na escritura’’. Uma leitura fácil para quem quiser assim ler, uma leitura difícil para quem quiser tocar na parte submersa das geleiras’’. A leitura de A ponta do silêncio é risco e desfazimento de certezas herdadas e conquistadas. É, por ventura, onde reside o prazer da sua leitura- na inquietação semeada. Fecha-se o livro com uma revolução instaurada em nós mesmos. E quem há de negar que este não é o melhor da literatura? É que talento não se adquire. Escritor é, desde sempre. Valesca de Assis é, desde sempre. Jane Tutikian.

Fonte: Livraria da Folha

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