Dica de Leitura: Don Giovanni ou o Dissoluto Absolvido



Em 'Don Giovanni ou O Dissoluto Absolvido', José Saramago retorna o teatro, gênero que não revisitava desde 'In Nomine Dei', de 1993. E essa volta acontece em grande estilo, já que o escritor português decidiu recontar a seu modo um dos mais importantes e conhecidos enredos da história da literatura, o Don Juan, o implacável sedutor. Trata-se de um personagem presente na obra de inúmeros autores como Tirso de Molina, Molière, Hoffman, Byron e Pushkin. O texto servirá, posteriormente, de base para o libreto de uma ópera do italiano Azio Corghi, a ser encenada no Teatro Scala, em Milão. A referência doreta de Saramago é o 'Don Giovani ou O Dissoluto Punido', de Mozart, que estreou em Praga em 1787 com regência do próprio compositor. A principal modificação inserida por Saramago no enredo é o desfecho, como indica a troca de 'punido' por 'absolvido' no título da obra. De modo semelhante À versão tradicional, também aqui a estátua do Comendador, que fora morto por Don Giovanni, deixa o cemitério e aparece para jantar na casa do mulherengo em busca de reparação da honra ofendida da filha, Dona Ana. Só que desta vez suas tentativas de vingança não funcionam como ele esperava. Dona Elvira, uma das 2065 mulheres da lista de conquistas de Don Giovanni, ainda ensaia outro artifício para apanhá-lo depois de ver suas tentativas de reaproximação falharem. O truque, contudo, também não atinge o resultado planejado. Nesta peça, Saramago continua seu projeto literário de desestabilizar lugares-comuns e mostrar que em tudo é o que parece ser. Nela, o seu alvo mais evidente é o da noção de pecado - ou melhor, dos atos humanos considerados pecaminosos. É por isso que o protagonista afirma: 'A terra é toda ela um sepulcrário, é mais a gente que se encontra debaixo do chão que aquela que em cima dele se agita, trabalha, dorme e fornica. Parece que os anos que viveste não te ensinaram muito, estátua. A morte dos malvados não é para o inferno que se abre, mas para a impunidade. Ninguém poderá ferir-te nem ofender-te se já estás morto'. Sempre apoiado por Leporello, seu bem-humorado criado, o Don Giovanni revivido pelo escritor português não tem medo de seus atos, nem do reino das trevas, pois, para ele, o ser humano é acima de tudo livre, mesmo que seja para pecar.

Fonte: Saraiva

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